Thursday, April 28, 2011

Massacre ‘AMOK’



Massacre ‘AMOK’

Posted: 23/04/2011
por RAYMUNDO DE LIMA*
Os primeiros massacres em escolas pareciam sintomas do mal-estar da cultura anglo-saxônica: Estados Unidos, Escócia, Alemanha. Mas depois ocorreu em Israel (com terroristas palestinos), na Rússia (com terroristas tchetchenos, com 386 mortos, maior número de vítimas fatais), no sul da Argentina e até na China. Como os chineses não têm fácil acesso às armas de fogo, facões foram usados contra crianças.
Os massacres vêm ocorrendo em número maior nas escolas pelo mundo; deveriam ser obra de psicopatas ou psicóticos, agindo a esmo, sem motivo e sem sentido. Faz uma década que alguém levantou uma ‘boa’ hipótese sobre este tipo de crime: reação racional às humilhações e intimidações (bullying). Mas, sinalizo: é apenas uma hipótese. Como aprendemos em Metodologia da Pesquisa, hipótese é uma afirmação provisória, para ser investigada sistematicamente com os critérios da ciência. Ela pode ou não ser comprovada.
Um dos poucos sociólogos a estudar sobre o assunto, o alemão Robert Kurz, denominou tal ato criminoso de “amok”: vem de Amok, palavra de origem malaia, que significa raiva cega; é empregada pela psiquiatria para designar o ser humano tomado por fúria cega que sai matando pessoas e animais, aparentemente sem motivo e, na maioria dos casos, suicidam-se no final.
Em verdade, o amok não apresenta sintomas de psicose (loucura), nem antecedente criminal, mas sua personalidade parece ser resultado de ressentimentos acumulados, raciocínio vingativo generalizado e disposição para treinamento com armas de fogo visando eliminar maior número de pessoas. Pode ser reação ao bullying, mas porque os 99,9 que sofreram bullying não saem por aí matando pessoas e animais?
Também dizer que o criminoso é psicopata indica desconhecer o que é psicopatia, sociopatia e o perfil amok. O massacre amok é um ato louco, sim, mas seus assassinos não são psicopatas/sociopatas, nem necessariamente psicóticos como parece indicar a conduta do responsável pelo ataque à escola do Realengo. O bilhete suicida escrito por ele levanta a hipótese de transtorno de personalidade com fanatismo religioso, próximo do estilo dos terroristas fundamentalistas que lutam por causas delirantes ou políticas. Para fanáticos que lutam por uma causa política ou mística vale tudo, principalmente quando é possível adquirir armas e aprimorar o acerto nos alvos escolhidos.
Os estudiosos sobre o assunto hoje trabalham com um perfil do criminoso amok: 61% ocorre por vingança (bullying), 61% são depressivos reativos, 83% sofrem dificuldade para lidar com perdas, 93% demonstram comportamento estranho, 95% dos ataques são planejados com armas de fogo adquiridos de parentes ou conhecidos.
Qualquer lugar onde há facilidade de conseguir armas, eleva a probabilidade de ocorrência de atos deste tipo. Os crimes amoks indicam que:
a) Todos os assassinos eram homens;
b) Personalidade esquizo, calados, ressentidos, fora do controle da família;
c) Viciados em jogos e filmes violentos;
d) Sabiam manejar as armas como se fossem profissionais;
e) Antes, não apresentam qualquer sinal de comportamento desviante ou histórico de delinquência, mas tinham histórico familiar complicado;
f) Escolheram uma escola, universidade ou shopping, ou seja, os massacres são planejados para serem públicos: “não se trata de alvejar os passantes a partir de uma janela escondida: a matança é teatral” (Calligaris: FSP, 19/03/09).
ALERTA: o massacre da escola de Realengo pode ter aberto a caixa de Pandora, isto é, pode acontecer novamente em escolas e universidades do território brasileiro. Portanto, não é exagero se secretarias de educação elaborassem manuais e até treinos de sobrevivência para professores, alunos e funcionários, como já acontece em algumas partes do planeta. A esquerda brasileira, nestas horas, deve levar em conta que o treino militar “preventivo” é obrigatório nas escolas e universidades da China, Cuba, Coréia do Norte.
Também os gestores das escolas públicas ou particulares deveriam providenciar apoio psicológico individual ou em grupo para professores, alunos e funcionários, que se identificaram profundamente com o sofrimento e desespero dos colegas da escola Tasso da Silveira. Para as personalidades que perderam a ternura na luta política ou que visam apenas lucros de empresa, esta proposta parece exagerada ou absurda.
Instalar catracas, câmeras, detector de metais, mas sem um estudo minucioso, poderá ser dinheiro desperdiçado. Mas, cada escola deve fazer seu próprio estudo e discutir sobre “que fazer”. É mais prudente, sim, investir na formação ‘realista’ dos professores e reformar a cultura da escola, para além dos modismos e ideologismos. Será difícil refundar a cultura da escola se continuarmos com o nosso modo de viver sem-vínculos, sem-amizade, sem-confiança no outro, e acreditar numa segurança produzida pelos condomínios fechados ou edifícios com câmeras, guardas e cerca elétrica.
Por outro lado, que fazer, senão buscar uma prevenção limitada ou relativa, usando meios eletrônicos, guardas, cachorros, etc. Se os professores e alunos se sentissem responsáveis pelo bem público, não teriam deixado ladrões roubarem tantos aparelhos caros da universidade. Ou teriam impedido estupros e sequestros relâmpagos. Enquanto não amadurecemos nosso senso de vigilância e responsabilidade para com a coisa pública, cabe aos gestores da universidade irem em busca de contratar empresas e plano especial de segurança. Nesta esteira de medidas paliativas (neoliberais?) é que voltamos à discussão sobre o desarmamento, no Brasil. Depois do massacre na Alemanha, em 2009, o governo aprovou leis duras de desarmamento da população. Até agora, não houve mais massacres amoks e outros crimes bárbaros neste país. Mas nos EUA, que são reféns da indústria bélica, nada é feito neste sentido. E os crimes amoks vêm ocorrendo em intervalos cada vez menores.
Como prevenção, é imperiosa uma nova educação ou “educomunicação”, para formar sujeitos capazes de discernir a realidade concreta da realidade violenta produzida pelas mídias. Porque os assassinos amoks atuam como se estivessem vivendo a realidade de um filme ou jogo eletrônico, só que com armas de verdade. A mídia contribui como reforço da cultura da violência, sim, mais pela repetição e espetacularização. Dá sempre impressão que bom é ser mau. Que o bandido é sempre o herói, ainda que tenha matado muitas crianças inocentes.
Ainda, só uma “nova” educação poderia “trabalhar” os sintomas de fanatismo (religioso, político, desportivo, midiático) e perda do senso de fronteira entre o real e o virtual produzido pelas mídias. Também os pesquisadores precisam calibrar suas pesquisas, incluindo mais este tema e problema.
"OBSERVAÇÃO de 18/04/2011: parei de ler os comentários de especialistas e tagarelistas sobre o massacre de Realengo, porque estava me dando náuseas. Se por um lado é necessário fazer crítica ao sensacionalismo da imprensa televisiva, por outro, não deve escapar de também serem criticadas as pseudo-análises, porque ambas se sustentam em critérios puramente ideológicos e parecem extrair gozo da situação trágica pra fazer sua propaganda política. Isto é nojento. Embrulha o meu estômago. Lamentavelmente, existe muita “opinião” (piruadas) e pouca ou nenhuma “episteme” nos escritos que li na internet e nos debates que assistir na TV aberta e por assinatura. Mais profundo foi a entrevista com o professor da Faculdade de Educação da USP, Julio Groppa Aquino, que cumpriu sua função docente de instigar o debate, superarmos o senso comum pedagógico, o senso comum psicológico e o senso comum sociológico. Há um texto do Antonio Zuin que também aprofunda o crime amok, publicado anos antes. Apenas o professor Aquino pediu “sobriedade e certo distanciamento, à moda dos antigos”, visando decantar as informações e superar a “tagarelice explicativa” do pessoal da imprensa e dos políticos profissionais e amadores que nos rondam. “Se quisermos honrar os mortos de fato, precisaremos mais do que alguns minutos de silêncio. Precisaremos nos aquietar (…). Aos que crêem no sobrenatural, cabe rezar pelos que se foram. Aos demais, resta-nos apenas um nó na garganta, um nó que não desata” (ver entrevista disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos.escola-de-seguranca-maxima,704293,0.htm).
Além de faltar fazer “dialética com a realidade concreta”, suspeito que muitas pseudo-análises se acovardam diante da realidade dos fatos, apresentando sempre um cobertor curto teórico para uma realidade complexa. Poucos, enfim, são prudentes na análise lógica dos fatos e fenômenos, e ao mesmo tempo falta humildade necessária para reconhecer que neste tipo de violência estamos como cegos diante de um elefante (lembrando o filme de mesmo nome, e a lição budista, lembrados por Aquino). Observei que os mais irresponsáveis intelectualmente misturam massacre ‘amok’ com serial killer, psicopatia, psicose, sociopatia, fanatismo, fundamentalismo, terrorismo, etc. Por falar em terrorismo, depois do 11 de setembro/2001, soube alguns professores irresponsáveis ou criminosos em potencial, fizeram elogios ao ato criminoso que matou civis de tantos países. Seriam eles influência nefasta dos jovens desequilibrados que, na internet, elogiam o massacre de Realengo?"


* RAYMUNDO DE LIMA é Professor do DFE-UEM e Doutor em Educação pela USP. (Publicado originalmente em O DIÁRIO do Norte do Paraná, em 15/04/2011. Aqui, com alterações e complementos).
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